Entrevista ao jornal A Avezinha



Suzana Sousa entregou algo de si no filme

A Avezinha – Licenciada em Comunicação Social, a jovem Suzana Sousa, vocacionada para as artes visuais decidiu efectuar um filme sobre Diamantina Barreto. Quando iniciou esse trabalho?

Suzana Sousa – Há cerca de 13 anos que fiz a 1ª entrevista à Diamantina.

aA – Foi logo após a sua formatura que fez esse trabalho?

S.S. - Tirei o curso de Ciências de Comunicação e Audiovisuais e ainda não tinha terminado quando fiz a entrevista.

aA – Sentiu alguns obstáculos para chegar a ela e conseguir os depoimentos que imaginou?

S.S. - Tive de início um obstáculo que foi uma entrevista que não foi concretizado mas que teria sido bastante interessante pois era de uma freira que esteve no convento com a Diamantina.

De resto, as pessoas foram muito acessíveis.

Houve ainda outra a Rosário Teixeira, ex-aluna da Diamantina e amiga que vive em Boston. É também artista, pintora, poetisa mas que devido à distância não consegui.

a A – É familiar da Diamantina e por isso dá-lhe prazer fazer estre trabalho?

S.S. - Sim. Dá-me imenso gosto e tenho muita honra em ser familia dela. Era prima da minha avó e eu penso que herdei um pouco aquelas características de artista. Talvez não um espírito tão irreverente como o dela mas a parte filosófica, sem dúvida.

a A – Sempre achou que era uma traição a imagem que lhe estavam a dar?

S.S. - Sempre achei que a verdade era bastante distorcida devido a alguma ignorância da população. A minha principal intenção com este documentário era quebrar esses paradigmas e dar um pouco mais luz sobre uma pessoa que não teria tido a hipótese de se defender.

Sem tomar partido, mostrar a opinião de várias pessoas.

aA – Talvez ela pensasse que a defenderiam?

S.S. - Acho que ela talvez tivesse um pouco acima disso mas não tenho dúvidas que teria gostado bastante.

a A – Senti na entrevista que ela estava muito agradada de conversar comigo e revelar coisas que nunca tinham sido ditas.

S.S. - Naquele dia eu sei que ela gostou bastante. Talvez mais que uma entrevista, foi uma conversa. Criou um laço bastante forte de amizade, para além dos familiares. Houve mais alguns encontros depois da entrevista e criou-se uma relação de carinho entre mim e ela. Tenho muita pena de não ter tido oportunidade de conviver mais porque ela faleceu pouco tempo depois.

aA – Este filme é comercial ou é para si somente?

S.S - Não é para o meu ego, porque já me despeguei dele, mas é para transmitir às pessoas a beleza da Diamantina.


Mensagem de Rosário Teixeira

Cara Susana,

Obrigada por ter feito este documentário, e pela oportunidade que me deu de o ver. É um poema incompleto... Ao ver e ouvir a Mamy uma vez mais, deixou-me muito emocionada.

Mais uma vez senti a crueldade do povo contra essa mulher, artista, educadora, que me ensinou a encontrar a liberdade através da arte e a sobreviver espiritualmente. Eu estive presente muitas vezes, quando as pessoas atravessaram a rua para não se enfrentarem com a Mamy...

Alguns comentários de Luisa Monteiro estão errados. A Mamy casou-se no Estoril onde teve o sonho de abrir o Atelier Goya... Conflitos com a cunhada, alguns relacionados com os fundos necessários para abrir o Atelier, levaram à dissolução do casamento.

O Ministério da Educação designou-a para a Madeira, onde esteve cerca de um ano ou dois. A Mamy adorou a Madeira, mas o Ministério da Educação enviou-a para o Barreiro. A Mamy falou da Madeira com saudade, do povo amigável e sereno, oposto ao povo de Albufeira e até do Norte.

A minha mãe contratou a Mamy para me ensinar Inglês, pouco depois de ela chegar ao Barreiro. Elas tornaram-se amigas e várias vezes por semana tomávamos o "Chá das 5" juntas. Foi durante tais sessões que a Mamy falou da sua vida. O que sei da vida da Mamy até essa época, ouvi nas suas narrações.

A Mamy tinha um "cavalheiro" poeta que a visitava de vez em quando, e ela também o visitava em Lisboa, contrário ao boato que ela era lésbica. Este poeta nao era o marido dela... ela estava divorciada do marido há bastante tempo. Quando o poeta a visitava, ela cancelava as minhas lições de Inglês, mas eu cheguei a vê-lo, um homem alto e misterioso. A Mamy vivia num mundo de ideias. Com a minha mae, ela podia falar de tudo e frequentemente iam à aventura para leilões de antiguidades, ao teatro... muitas vezes a minha mãe se esqueceu de mim até às 9 horas da noite, e eu sentada a porta de casa desde as 3 da tarde...

Várias pessoas neste documentário falam das suas excentricidades em relação ao padre da paróquia, que se considerava o líder espiritual das freiras, mas a Mamy recusou-lhe tal papel. Ele também queria controlar as financas do convento... Através da confissão de algumas freiras, o padre veio a saber que visitantes tinham entrado no convento. Ele divulgou tais visitas em violação ao ato de silêncio e declarou como conduta imoral. A realidade era muito diferente.

Sales Paiva, de acordo com o neto, Túlio, que tambem foi aluno da Mamy, deu um pedaço de terreno para a construção do convento. Apesar de ser considerado um homem hereje, a esposa era muito religiosa. Ele envolveu-se nos planos da construção civil... dois esgotos foram construidos a terminar na costa. Um dos esgotos terminava dentro de uma gruta com acesso só pelo mar. Através deste tunel, várias pessoas amigas de Sales Paiva entraram no convento, onde conduziram reuniões secretas planeando um golpe de estado.

A Mamy descreveu esses acontecimentos, "uma princesa Russa" e os seus companheiros que viajaram de barco vindos de Lisboa... O Túlio encontrou documentos num gabinete fechado que pertenceu ao avô, confirmando o que a Mamy relatou várias vezes durante o "Chá das 5." Ele tinha os documentos de prova que o avô esteve envolvido na preparação de um golpe de estado.

Com a publicidade criada pelo padre, as reuniões terminaram. Durante esse período, o Túlio disse que a Mamy dava-lhe lições de Inglês no palácio da Orada e a ultima vez que ela falou com o avô, eles tiveram uma discussao tremenda, ambos gesticularam muito...

De acordo com a Mamy e uma das freiras que eu conheci, que vivia em Albufeira, Judite, uma pintora de obras religiosas com muito talento, a Mamy angariou fundos para a construção do prédio com a venda de arte religiosa e os seus livros de poemas. Como freira, cada livro só podia ser publicado com a aprovação do Papa. De maneira a manter o convento e abrir a escola, a Mamy e as freiras continuaram a vender pinturas religiosas e livros. O seu último livro foi rejeitado pelo Papa...

Outra historia exagerada: uma das freiras que estava a lavar os vidros das janelas deitou a água suja para o patio e acabou em cima do padre.

Tambem ausente no documentário é o facto que a Mamy iniciou vários processos legais contra a Igreja. Entre outros, o José Pimenta, que veio a ser juiz em Portimão nos últimos anos da década de 70, investigou o processo, mas era demasiado complicado processar a Igreja Católica... Nos últimos anos 60 chegaram a um acordo em que a Mamy podia ocupar o Solar do Cerro até à sua morte. A Igreja continuava a reclamar posse da propriedade e a Mamy continuou a contestar...

Como educadora, a Mamy tentou defender a sua tese de doutoramento em pedagogia e foi rejeitada por todas as universidades no país, Lisboa, Coimbra e Porto, nos anos 70. As suas ideias eram demasiado avançadas e em contradição com a administração do país. A Mamy acreditava que educação universitária constituia educação básica e que as raparigas não deviam considerar casamento ou ter bebés antes de terminarem a sua educação básica, para que nao dependessem de um esposo. (Considere os decretos de lei das décadas 40 e 50, do regime de Salazar. As mulheres perderam o direito ao voto, a herança, 60% das escolas do pais fecharam, e a lei dos baldios proibiu o povo de usar terra comum nas municipalidades.)

Gostaria de ter visto imagens das suas esculturas, azulejos, e pinturas. A escola Álvaro Velho tinha várias das suas obras, incluindo a escultura de uma menina sentada no jardim, para a qual eu fui o modelo. A Mamy ensinou-me a processar e a pintar azulejos enquanto ela estava a trabalhar na obra que se encontra sobre a entrada principal da escola Álvaro Velho.

A Mamy sempre assinou o seu nome Diamantina Barreto Negrão em documentos e livros. Ela usou o nome Bossy nas suas pinturas e esculturas...

A minha mãe visitou-a em Albufeira na sua ultima viagem a Europa em '86, antes de morrer, e veio muito triste pela situacao da Mamy...

Mais uma vez, obrigada por este poema...

Um abraço

Rosário


Estreia na EB 2-3 Diamantina Negrão



Quero deixar um agradecimento muito especial à Escola EB 2-3 Diamantina Negrão, que acolheu o documentário "Cântico das Sombras" com muito carinho.

Obrigada, Sofia Labisa e Carla Ferreira, pela organização do evento!

Agradeço muito a presença simpática da antiga diretora da escola, Felismena Pinto, e do diretor d'A Avezinha (http://www.jornalavezinha.com), Arménio Aleluia Martins.

Agradeço ainda aos meus pais e tios, sempre presentes na minha vida e nos momentos especiais.

E, claro, aos alunos da EB 2-3 Diamantina Negrão, que tão pacientemente assistiram ao documentário. Demasiado novinhos para informação tão densa! Foram uns autênticos campeões!

Obrigada a todos!

Estreia do "Cântico das Sombras"

O documentário "Cântico das Sombras" teve a sua primeira exibição pública no dia 11.11.2011 na Escola EB 2-3 Diamantina Negrão.

A partir de agora já pode ser visto aqui:



Um coração maior do que o mundo


"Fui colega de Diamantina no Barreiro. Era uma mulher inconformada, sempre sem dinheiro, com um coração maior do que o mundo. Tanto nos recebia de braços abertos, como não nos recebia, simplesmente. Fiz parte de um grupo de professores que convidava para o seu "convento" da Orada porque, nessa altura não ganhávamos nas férias. Visitei-a várias vezes em anos seguintes quando ia de férias para o Algarve.

Só confiava nos seus bichos porque talvez só eles a amassem e aceitassem sem reservas nem tabus. Não sabia dela há anos. Tenho alguns objectos que me ofereceu e guardo ciosamente. Acredito que Deus a recebeu com justiça porque muito amou e muito sofreu.

Ficou a saudade e a alegria de saber que o seu nome não foi esquecido na sua terra que tantas vezes a maltratou".

Lenita