Bossy à espreita...






Num armário antigo encontram-se muitas surpresas...

A tia Conceição Bossy Barreto espreita da sua janela do passado e aparece num postal a dar os parabéns à minha bisavó pelo nascimento da minha avó.

Assim, fiquei a saber que a mulher responsável pelo financiamento do Convento da Orada dava aulas num belo palacete do Porto.

Com a ajuda do blogger Teo Dias (http://ruasdoporto.blogspot.pt/) descobri que hoje funciona no mesmo palacete a Delegação Regional da Ordem dos Médicos:


No postal, em letras pequenas, a tia Conceição faz referência à cruz com a qual marcou a sua janela. 

Mas quem era esta mulher e qual a sua importância para Diamantina Negrão?

Em primeiro lugar, era uma mulher culta e viajada, que vivera na França e dava aulas de francês. Diamantina admirava-a, e veio a utilizar um dos seus nomes, Bossy, como pseudónimo.

Em segundo lugar, foi a mulher que possuía os meios financeiros para a fundação do Convento da Orada. Diamantina era-lhe grata por isso, e acolheu-a nesse mesmo espaço no final da vida.

Ainda hoje, alguns albufeirenses mais antigos se recordam da Madame.

Eu, com orgulho, digo que é mais uma das minhas tias, um dos elos de uma linhagem de mulheres cultas e empreendedoras com as quais sinto que temos muito que aprender.




"O mar da minha terra tem alma."

http://www.sulinformacao.pt/2015/02/o-algarve-ha-100-anos/


 Esta imagem retrata a baía de Albufeira na época em que Diamantina nasceu. Já não seria assim no período em que ela fundou o convento, ao lado da Capela da Orada (fruto da devoção dos pescadores), mas este é o mar que ela amava e que a inspirava a escrever. 




A mulher das mil faces




Já chegou às minhas mãos o novo livro de Luísa Monteiro sobre Diamantina Negrão. Mosaico de testemunhos (alguns retirados deste blog) que revelam as muitas facetas desta misteriosa mulher. 

Aqui fica o índice:

* * *
Breve biografia de uma micro-heroína, LM
Nota de Abertura, LM
Correspondia-se às escondidas com uma menina, Aline Vieira
Duas gerações, Arménio Aleluia Martins
Num café concerto, Carlos Ferreira/Guida Scarllati
Produzia arte, não fazia bonecos, Felismena Pinto
Exorcizei os meus males, Laura Braz
Sempre sem dinheiro, Lenita
Compartilhamos os dias de um ano, Manuel Neto dos Santos
Apresentou-me Proust, Mena Branco
A sua morte deixa uma amargura, Octávio Rodrigues
A minha mi(s)tica prima Diamantina, Paulo Moreira
Reuniões secretas planeando um golpe de estado, Rosário Teixeira
Pude sentir que a estávamos a perder, Susana Sousa
Chopin e pétalas de rosa, Vitor Paiva
A última carta de Diamantina a Joselina


Espero que vos desperte o interesse. 

A Madre Toureira


No dia 28 vai ser lançado o novo livro de Luísa Monteiro sobre... Diamantina Negrão!

Deste livro, diz a Profª Mirian Tavares, coordenadora do CIAC: "A personagem, escultora, poeta, visionária – Diamantina Negrão, merece um lugar de destaque na história da arte que aqui se fez e que aqui se faz. Uma mulher de armas, que ousou viver intensamente as suas paixões, a sua fé, a sua arte que se confundiu com a sua própria vida. E o trabalho da investigadora do CIAC, Luísa Monteiro, revela, através de uma escrita precisa, fruto duma investigação acurada e de uma sensibilidade ímpar, a vida e obra desta artista, desta mulher invulgar, filha do reino dos algarves, que deve ser (re) conhecida e visitada através das palavras da escritora que revive, linha após linha, a mesma paixão que moveu, tempos atrás, a artista, Diamantina Negrão."

Se não aguenta esperar até dia 28, pode adquirir o livro através deste link:

http://www.eu-edito.com/a-madre-toureira-1390.html 

Aproveite e veja também o documentário, com Luísa Monteiro:

Cântico para uma mulher forte

Ela disse: "Há qualquer coisa intrinsecamente no nosso interior, tão forte, tão forte, que não pode ser destruída".

Hoje seria o seu aniversário.

Chamava-se Diamantina Negrão. Teria existido realmente? Existiria se não tivesse deixado um rasto de palavras e cores?

Ela disse: "Cada um de nós é uma fortuna enorme, e temos dentro de nós a maior das fortunas do mundo, que é pensar, andar, galgar mundos mesmo dentro de casa. (...) E as pessoas não dão conta."

Tentaram calá-la. Ela resistiu.  

Ela disse: "Nós somos uma riqueza fantástica... Nós próprios poderíamos dar um rendimento enorme, em todos os aspectos ... mas estamos a encostar o corpo à parede, não somos para muito trabalho nem para muita pesquisa... Estou convencida que as pessoas não têm culpa. A gente sonha aquilo que nos vem de dentro. Parece que nos passam com uma bandeja umas certas profundidades da vida, riquezas imensas que a vida tem, e que a gente vai palpando no nosso silêncio de todos os dias."

Ela gritou e pediu que escutássemos os ecos do seu pensamento.

Para ela, este cântico.



Escutar

Primeiro houve um grito. Creio que foi assim que tudo começou. O grito da criança a rasgar o corpo da mãe, a desenhar rachas nas paredes de um mundo enclausurado em si mesmo, a querer cindir o próprio corpo da terra, em busca da luz…

“Eu tinha de encontrar o cântico da luz….”

E esse grito cresceu, ouviu-se nas várzeas e nos cerros, misturou-se com a espuma do Mar e, transmudado em água, escorreu sangue nas páginas de bronze da nossa História.

O grito ouviu-se durante muito tempo e houve quem o quisesse silenciar.

Para alguns, o grito ficou como o ruminar das águas no interior de um búzio - pura sugestão, reverberação de um gesto de ar na espiral da concha.

Para outros, como eu, o grito ainda se pode escutar, como um antigo encantamento, uma força indomada de trovão ou de onda altiva, um cântico de luz e de sombras.

Escute-o:

Cântico das Sombras from Susana Sousa on Vimeo.

 

Entrevista ao jornal A Avezinha



Suzana Sousa entregou algo de si no filme

A Avezinha – Licenciada em Comunicação Social, a jovem Suzana Sousa, vocacionada para as artes visuais decidiu efectuar um filme sobre Diamantina Barreto. Quando iniciou esse trabalho?

Suzana Sousa – Há cerca de 13 anos que fiz a 1ª entrevista à Diamantina.

aA – Foi logo após a sua formatura que fez esse trabalho?

S.S. - Tirei o curso de Ciências de Comunicação e Audiovisuais e ainda não tinha terminado quando fiz a entrevista.

aA – Sentiu alguns obstáculos para chegar a ela e conseguir os depoimentos que imaginou?

S.S. - Tive de início um obstáculo que foi uma entrevista que não foi concretizado mas que teria sido bastante interessante pois era de uma freira que esteve no convento com a Diamantina.

De resto, as pessoas foram muito acessíveis.

Houve ainda outra a Rosário Teixeira, ex-aluna da Diamantina e amiga que vive em Boston. É também artista, pintora, poetisa mas que devido à distância não consegui.

a A – É familiar da Diamantina e por isso dá-lhe prazer fazer estre trabalho?

S.S. - Sim. Dá-me imenso gosto e tenho muita honra em ser familia dela. Era prima da minha avó e eu penso que herdei um pouco aquelas características de artista. Talvez não um espírito tão irreverente como o dela mas a parte filosófica, sem dúvida.

a A – Sempre achou que era uma traição a imagem que lhe estavam a dar?

S.S. - Sempre achei que a verdade era bastante distorcida devido a alguma ignorância da população. A minha principal intenção com este documentário era quebrar esses paradigmas e dar um pouco mais luz sobre uma pessoa que não teria tido a hipótese de se defender.

Sem tomar partido, mostrar a opinião de várias pessoas.

aA – Talvez ela pensasse que a defenderiam?

S.S. - Acho que ela talvez tivesse um pouco acima disso mas não tenho dúvidas que teria gostado bastante.

a A – Senti na entrevista que ela estava muito agradada de conversar comigo e revelar coisas que nunca tinham sido ditas.

S.S. - Naquele dia eu sei que ela gostou bastante. Talvez mais que uma entrevista, foi uma conversa. Criou um laço bastante forte de amizade, para além dos familiares. Houve mais alguns encontros depois da entrevista e criou-se uma relação de carinho entre mim e ela. Tenho muita pena de não ter tido oportunidade de conviver mais porque ela faleceu pouco tempo depois.

aA – Este filme é comercial ou é para si somente?

S.S - Não é para o meu ego, porque já me despeguei dele, mas é para transmitir às pessoas a beleza da Diamantina.


Mensagem de Rosário Teixeira

Cara Susana,

Obrigada por ter feito este documentário, e pela oportunidade que me deu de o ver. É um poema incompleto... Ao ver e ouvir a Mamy uma vez mais, deixou-me muito emocionada.

Mais uma vez senti a crueldade do povo contra essa mulher, artista, educadora, que me ensinou a encontrar a liberdade através da arte e a sobreviver espiritualmente. Eu estive presente muitas vezes, quando as pessoas atravessaram a rua para não se enfrentarem com a Mamy...

Alguns comentários de Luisa Monteiro estão errados. A Mamy casou-se no Estoril onde teve o sonho de abrir o Atelier Goya... Conflitos com a cunhada, alguns relacionados com os fundos necessários para abrir o Atelier, levaram à dissolução do casamento.

O Ministério da Educação designou-a para a Madeira, onde esteve cerca de um ano ou dois. A Mamy adorou a Madeira, mas o Ministério da Educação enviou-a para o Barreiro. A Mamy falou da Madeira com saudade, do povo amigável e sereno, oposto ao povo de Albufeira e até do Norte.

A minha mãe contratou a Mamy para me ensinar Inglês, pouco depois de ela chegar ao Barreiro. Elas tornaram-se amigas e várias vezes por semana tomávamos o "Chá das 5" juntas. Foi durante tais sessões que a Mamy falou da sua vida. O que sei da vida da Mamy até essa época, ouvi nas suas narrações.

A Mamy tinha um "cavalheiro" poeta que a visitava de vez em quando, e ela também o visitava em Lisboa, contrário ao boato que ela era lésbica. Este poeta nao era o marido dela... ela estava divorciada do marido há bastante tempo. Quando o poeta a visitava, ela cancelava as minhas lições de Inglês, mas eu cheguei a vê-lo, um homem alto e misterioso. A Mamy vivia num mundo de ideias. Com a minha mae, ela podia falar de tudo e frequentemente iam à aventura para leilões de antiguidades, ao teatro... muitas vezes a minha mãe se esqueceu de mim até às 9 horas da noite, e eu sentada a porta de casa desde as 3 da tarde...

Várias pessoas neste documentário falam das suas excentricidades em relação ao padre da paróquia, que se considerava o líder espiritual das freiras, mas a Mamy recusou-lhe tal papel. Ele também queria controlar as financas do convento... Através da confissão de algumas freiras, o padre veio a saber que visitantes tinham entrado no convento. Ele divulgou tais visitas em violação ao ato de silêncio e declarou como conduta imoral. A realidade era muito diferente.

Sales Paiva, de acordo com o neto, Túlio, que tambem foi aluno da Mamy, deu um pedaço de terreno para a construção do convento. Apesar de ser considerado um homem hereje, a esposa era muito religiosa. Ele envolveu-se nos planos da construção civil... dois esgotos foram construidos a terminar na costa. Um dos esgotos terminava dentro de uma gruta com acesso só pelo mar. Através deste tunel, várias pessoas amigas de Sales Paiva entraram no convento, onde conduziram reuniões secretas planeando um golpe de estado.

A Mamy descreveu esses acontecimentos, "uma princesa Russa" e os seus companheiros que viajaram de barco vindos de Lisboa... O Túlio encontrou documentos num gabinete fechado que pertenceu ao avô, confirmando o que a Mamy relatou várias vezes durante o "Chá das 5." Ele tinha os documentos de prova que o avô esteve envolvido na preparação de um golpe de estado.

Com a publicidade criada pelo padre, as reuniões terminaram. Durante esse período, o Túlio disse que a Mamy dava-lhe lições de Inglês no palácio da Orada e a ultima vez que ela falou com o avô, eles tiveram uma discussao tremenda, ambos gesticularam muito...

De acordo com a Mamy e uma das freiras que eu conheci, que vivia em Albufeira, Judite, uma pintora de obras religiosas com muito talento, a Mamy angariou fundos para a construção do prédio com a venda de arte religiosa e os seus livros de poemas. Como freira, cada livro só podia ser publicado com a aprovação do Papa. De maneira a manter o convento e abrir a escola, a Mamy e as freiras continuaram a vender pinturas religiosas e livros. O seu último livro foi rejeitado pelo Papa...

Outra historia exagerada: uma das freiras que estava a lavar os vidros das janelas deitou a água suja para o patio e acabou em cima do padre.

Tambem ausente no documentário é o facto que a Mamy iniciou vários processos legais contra a Igreja. Entre outros, o José Pimenta, que veio a ser juiz em Portimão nos últimos anos da década de 70, investigou o processo, mas era demasiado complicado processar a Igreja Católica... Nos últimos anos 60 chegaram a um acordo em que a Mamy podia ocupar o Solar do Cerro até à sua morte. A Igreja continuava a reclamar posse da propriedade e a Mamy continuou a contestar...

Como educadora, a Mamy tentou defender a sua tese de doutoramento em pedagogia e foi rejeitada por todas as universidades no país, Lisboa, Coimbra e Porto, nos anos 70. As suas ideias eram demasiado avançadas e em contradição com a administração do país. A Mamy acreditava que educação universitária constituia educação básica e que as raparigas não deviam considerar casamento ou ter bebés antes de terminarem a sua educação básica, para que nao dependessem de um esposo. (Considere os decretos de lei das décadas 40 e 50, do regime de Salazar. As mulheres perderam o direito ao voto, a herança, 60% das escolas do pais fecharam, e a lei dos baldios proibiu o povo de usar terra comum nas municipalidades.)

Gostaria de ter visto imagens das suas esculturas, azulejos, e pinturas. A escola Álvaro Velho tinha várias das suas obras, incluindo a escultura de uma menina sentada no jardim, para a qual eu fui o modelo. A Mamy ensinou-me a processar e a pintar azulejos enquanto ela estava a trabalhar na obra que se encontra sobre a entrada principal da escola Álvaro Velho.

A Mamy sempre assinou o seu nome Diamantina Barreto Negrão em documentos e livros. Ela usou o nome Bossy nas suas pinturas e esculturas...

A minha mãe visitou-a em Albufeira na sua ultima viagem a Europa em '86, antes de morrer, e veio muito triste pela situacao da Mamy...

Mais uma vez, obrigada por este poema...

Um abraço

Rosário


Estreia na EB 2-3 Diamantina Negrão



Quero deixar um agradecimento muito especial à Escola EB 2-3 Diamantina Negrão, que acolheu o documentário "Cântico das Sombras" com muito carinho.

Obrigada, Sofia Labisa e Carla Ferreira, pela organização do evento!

Agradeço muito a presença simpática da antiga diretora da escola, Felismena Pinto, e do diretor d'A Avezinha (http://www.jornalavezinha.com), Arménio Aleluia Martins.

Agradeço ainda aos meus pais e tios, sempre presentes na minha vida e nos momentos especiais.

E, claro, aos alunos da EB 2-3 Diamantina Negrão, que tão pacientemente assistiram ao documentário. Demasiado novinhos para informação tão densa! Foram uns autênticos campeões!

Obrigada a todos!

Estreia do "Cântico das Sombras"

O documentário "Cântico das Sombras" teve a sua primeira exibição pública no dia 11.11.2011 na Escola EB 2-3 Diamantina Negrão.

A partir de agora já pode ser visto aqui:



Um coração maior do que o mundo


"Fui colega de Diamantina no Barreiro. Era uma mulher inconformada, sempre sem dinheiro, com um coração maior do que o mundo. Tanto nos recebia de braços abertos, como não nos recebia, simplesmente. Fiz parte de um grupo de professores que convidava para o seu "convento" da Orada porque, nessa altura não ganhávamos nas férias. Visitei-a várias vezes em anos seguintes quando ia de férias para o Algarve.

Só confiava nos seus bichos porque talvez só eles a amassem e aceitassem sem reservas nem tabus. Não sabia dela há anos. Tenho alguns objectos que me ofereceu e guardo ciosamente. Acredito que Deus a recebeu com justiça porque muito amou e muito sofreu.

Ficou a saudade e a alegria de saber que o seu nome não foi esquecido na sua terra que tantas vezes a maltratou".

Lenita

MULHER

"Tive a sorte de, como seu colega, iniciar a minha carreira na docência e de com ela partilhar momentos afáveis, dialogantes e outros ásperos. Contudo nunca deixei de admirar a obra que ía produzindo, até colaborando na 'confecção' das estruturas de algumas das esculturas existentes na Escola onde mais anos leccionou - EB2/3 Álvaro Velho (Lavradio/Barreiro). Ainda antes que a 'mamy' voltasse a Albufeira, já pernoitava, no verão, na sua casinha de Albufeira e mais tarde na inacabada casa da Orada. Ricos serões desenvolvendo diversos temas, ideias, sonhos, saudades, política, injustiça, eu sei lá.

A sua morte deixa uma amargura, um vazio, um saudosismo. Ai aqueles 'rasgos' histéricos, por vezes sem aparente razão. Ai aquele odor.

Fica a memória de ter conhecido uma MULHER, com garra para a vida, raramente compreendida, uma artista, com quem aprendi tanto do ponto de vista técnico como pedagógico, que serviu para o meu apuro como educador, mas também como homem."

Octávio Rodrigues/Prof. EVT/EB2/3C de Álvaro Velho/Lavradio

Falha técnica


Em Outubro de 2010, doze anos após a 1ª entrevista, o documentário está pronto. No entanto, um problema técnico que não sei resolver impede que o vídeo seja exportado. Significa isto que o documentário não sai, ou seja, não cumpre a sua função de comunicação. Permanece em silêncio neste limbo ao qual só eu tenho acesso. 

Aprisionado no meu computador, o "Cântico das Sombras" espera por melhores dias.

Eu também.

Sombra de fogo




Quem é o Cavaleiro-Sol? E as flores que ele faz surgir no relvado miudinho? 

E que cântico é esse que provoca guerra, torna flor em pedra e dá eternidade a um amor misterioso?

Maria do Carmo do Coração de Jesus, Carmelita Descalça, é Madre Abadessa do Carmelo da Orada. É uma mulher diferente das mulheres da sua época. Uma mulher que lutará sempre contra a ignorância e a estupidez, contra os paradigmas, movida por uma paixão compreendida por poucos, por um amor fora do entendimento dos seres terrenos.

"... tam misterioso que em si mesmas timbravam esse novo mistério que só elas sabiam dizer."

Um poema de Amor


Entardecia. Na capela, mulheres veladas pelo silêncio soltavam as palavras nas suas mentes, fazendo borbulhar a água tépida onde repousava o seu deus.

Um ramo de flores decaía, tocado pelo calor estival, revelando a presença da morte. Lá fora, para lá das paredes grossas e das grades de ferro, acontecia o mundo e a vida. Também a morte. Mas não o silêncio.

Para as freiras, um dia era igual ao outro, com as mesmas rezas, os mesmos rituais, o mesmo deus no centro de tudo. Uma delas, no entanto, furava por vezes a cortina da monotonia. Nos bolsos do hábito escondia lápis e papel que utilizava para criar aquilo que o seu ventre não podia. Uma vida. Feita de palavras que, embora escritas, não ditas, não sussurradas, não gritadas, abanavam os contrafortes da montanha de silêncio de todos os dias.

"Só conheço um caminho todo rectidão
Por onde na terra ingressou a verdade
Luz da própria luz - em pálido clarão
Ou trevas no sentir da mesma claridade

Nas asas do desejo aqui na solidão
Posso fazer bem a toda a humanidade
Correr o mundo todo, em toda a direcção
Adentro dos umbrais da tua Caridade

Loucura ignorada de quem não sabe amar…
-Folha seca de Outono a esvoaçar –
Cântico singelo do nada ao Tudo, Senhor…

Fazer o Bem é no seio da tua igreja
O teu louvor, qual pássaro que adeja
É ver todos em ti e só viver de Amor."


Maria do Carmo do Coração de Jesus

Cântico das Sombras



Cântico. Vozes antigas, ecos moribundos, repetindo a mesma nota na melodia do impossível. Escuta, com paciência, e talvez a tua alma dance com o passado.

Sombras. Às vezes é preciso mergulhar nas sombras para delas extrair alguma luz. Descobrirás que é sempre a luz que vence.



Cântico de luz. Quando findar a tempestade, na quietude da terra molhada, na seiva da amendoeira, na placidez do firmamento, o estremecer de um sonho fará lembrar as velhas histórias. Alimenta-te delas. Floresce com o seu cântico de luz. E sonha também.

Vítor Paiva




Sussurros de Chopin. Pétalas de rosa. Aroma de chá. Brancura de linho. A beleza estonteante de uma freira. A inteligência de uma madre. Recordações de uma criança fascinada pelo universo de Diamantina Negrão.

Vítor Paiva relembra os tempos felizes em que frequentava a casa de Diamantina. Fala dos lanches em que as freiras serviam gelados e das tardes em que tiravam roupas de baús e se mascaravam.
No dia em que um pintor visita Diamantina, a tarde torna-se especial. A alma de artista de Diamantina floresce. Trocam-se pinceladas em francês inteligente. Do piano eleva-se um Chopin sussurrado. Depois do chá, há pétalas de rosa para lavar as mãos. Toalhas de linho branco. A beleza da irmã Carmela. Inteligência de Diamantina Negrão. Recordações alegres num passado triste.

Albufeira

“Albufeira é o único lugar que eu conheço que tem o poder de fascinar e apreender a imaginação de alguns de nós. É um lugar por onde passaram muitos artistas e escritores. Nos anos 70 era um lugar exclusivo e muito especial, totalmente diferente do resto do país. Este foi o lugar que mais me influenciou na minha arte.“ Rosário Teixeira.


Na entrevista que fiz a Diamantina Negrão, destaco com especial carinho este excerto: “Eu nunca escrevi, nos 26 anos que andei fora daqui da minha terra, eu nunca escrevi uma palavra. Só aqui é que eu escrevi. Antes do Convento acabar, depois que o Convento acabou, voltei novamente e voltei a escrever. Só aqui é que eu escrevi. E só aqui é que eu sinto que estou em contacto com o universo.”