O início...

Vi-a pela primeira vez na sessão de lançamento do seu último livro. Tinha a curiosidade aguçada pelas velhas histórias de família em que rumores de uma prima freira e artista tomavam contornos de lenda. A minha avó Dilita referia-se a ela como “Diamantina freira” e, embora eu já soubesse que essa prima tinha perdido o direito ao hábito, ainda estava à espera de encontrá-la com as suas vestes carmelitas.

Era uma mulher velha, de olhos azuis, encovados, e pareceu-me distante, embora sorrisse para as pessoas. Quando abri aquele livro de capa branca e traço negro, uma onda de musicalidade, enigmática e de extrema beleza, envolveu-me como um manto e fiquei alheada de tudo.

“Eu tinha de encontrar / o cântico da luz...”

Na mesa, junto a Diamantina, alguém falava, e eu tinha que deixar de ouvir a voz do poema...

“Ruas de vidro / E caminhos de bronze / Onde a lágrima vertida / Quebrou o seu rosto.”

Fechei o livro e verifiquei que o próprio título soava a mistério: uma palavra inexistente no dicionário português: “Artide”, e o pitagórico número da perfeição: ”Quatro”.

Artide Quatro.






Nessa altura, desejei conhecer a mulher por detrás daquelas palavras. Olhei para Diamantina e tentei avaliar a dimensão daquele ser que a velhice não conseguira curvar. Foi então que ela falou. Não falou de improviso, agarrou as páginas que tinha preparado para a sua audiência, e em breve pude sentir que a estávamos a perder. Os papéis do discurso baralharam-se e na minha memória apenas ficou retida uma curta frase: “o mar da minha terra tem alma”.

Teria bastado esta frase para me fazer seguir o rasto daquela mulher. Estava longe de imaginar as histórias fantásticas que povoavam o imaginário dos albufeirenses e o calvário que teria pela frente ao remexer no passado. Ao longo do percurso eu iria cair e renegar o seu nome, para de novo me erguer e ansiar por um pouco da sua força, um pouco apenas, que me permitisse chegar algum lado.

Quando a sessão acabou, guardei o livro e decidi iniciar a minha busca.

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